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Sentenza

Decisão da Presidência nº 1193343 da STF. Supremo Tribunal Federal, 18 Giugno 2019
Decisão da Presidência nº 1193343 da STF. Supremo Tribunal Federal, 18 Giugno 2019
Testo
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ANONIMATO.
VEDAÇÃO IMPOSTA PELO PRÓPRIO TEXTO CONSTITUCIONAL (CF, ART. 5º, IV, in fine).
COMPREENSÃO DO DIREITO À LIVRE MANIFESTAÇÃO DO PENSAMENTO.
DELAÇÃO ANÔNIMA.
POSSIBILIDADE, DESDE QUE SATISFEITOS OS REQUISITOS QUE A AUTORIZAM.
DOUTRINA.
PRECEDENTES.
RECUSA ESTATAL EM RECEBER PEÇAS CONSUBSTANCIADORAS DE DENÚNCIA ANÔNIMA, PORQUE AUSENTES AS CONDIÇÕES DE SUA ADMISSIBILIDADE.
LEGITIMIDADE DESSE PROCEDIMENTO.
RESOLUÇÃO CNJ Nº 103/2010 (ART. 7º, III).
RECURSO EXTRAORDINÁRIO IMPROVIDO.
PERSECUÇÃO ADMINISTRATIVO- -DISCIPLINAR E DELAÇÃO ANÔNIMA – As autoridades públicas não podem iniciar qualquer medida de persecução administrativo-disciplinar (ou mesmo de natureza penal) cujo único suporte informativo apoie-se em peças apócrifas ou em escritos anônimos.
É por essa razão que escritos anônimos não autorizam, desde que isoladamente considerados, a imediata instauração de persecutio criminis ou de procedimentos de caráter administrativo- -disciplinar. – Nada impede, contudo, que o Poder Público, provocado por delação anônima, adote medidas informais destinadas a apurar, previamente, em averiguação sumária, com prudência e discrição, a possível ocorrência de eventual situação de ilicitude disciplinar e/ou penal, desde que o faça com o objetivo de conferir a verossimilhança dos fatos nela denunciados, em ordem a promover, então, em caso positivo, a formal instauração da concernente persecução, mantendo-se, assim, completa desvinculação desse procedimento estatal em relação às peças apócrifas. – Reveste-se de legitimidade jurídica a recusa do órgão estatal em não receber peças apócrifas ou reclamações ou denúncias anônimas, para efeito de instauração de procedimento de índole administrativo-disciplinar e/ou de caráter penal (Resolução CNJ nº 103/2010, art. 7º, inciso III), quando ausentes as condições mínimas de sua admissibilidade.
DECISÃO: O presente recurso extraordinário foi interposto pelo Estado de Sergipe contra acórdão que, proferido pelo E.
Tribunal de Justiça local, está assim ementado: APELAÇÃO CÍVEL – AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE NÃO FAZER – NÃO RECEPÇÃO, POR MEIO DA OUVIDORIA GERAL DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DESTE ESTADO, DE RECLAMAÇÃO/DENÚNCIA ANÔNIMA EM DESFAVOR DE MAGISTRADO – LIBERDADE DE EXPRESSÃO QUE NÃO CONDIZ COM O ANONIMATO – INTERPRETAÇÃO DA REGRA CONSTITUCIONAL INSCULPIDA NO ART. 5º, INCISO IV DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL – OBSERVÂNCIA DO ART. 7º, INCISO III, DA RESOLUÇÃO N. 103/2010, DO CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA – RECURSO CONHECIDO E IMPROVIDO. (grifei) A parte ora recorrente, ao deduzir o apelo extremo em questão, sustentou que o Tribunal a quo teria transgredido o preceito inscrito no art. 37, caput, da Constituição da República.
Cabe registrar, desde logo, que o veto constitucional ao anonimato busca impedir a consumação de abusos no exercício da liberdade de manifestação do pensamento, pois, ao exigir-se a identificação de quem se vale dessa extraordinária prerrogativa político-jurídica, essencial à própria configuração do Estado democrático de direito, visa-se, em última análise, a possibilitar que eventuais excessos, derivados da prática do direito à livre expressão, sejam tornados passíveis de responsabilização, a posteriori, tanto na esfera civil, quanto no âmbito penal.
Essa cláusula de vedação – que jamais deverá ser interpretada como forma de nulificação das liberdades do pensamento – surgiu, no sistema de direito constitucional positivo brasileiro, com a primeira Constituição republicana, promulgada em 1891 (art. 72, § 12), que objetivava, ao não permitir o anonimato, inibir os abusos cometidos no exercício concreto da liberdade de manifestação do pensamento, viabilizando, desse modo, a adoção de medidas de responsabilização daqueles que, no contexto da publicação de livros, jornais ou panfletos, viessem a ofender o patrimônio moral das pessoas agravadas pelos excessos praticados, consoante assinalado por eminentes intérpretes daquele Estatuto Fundamental (JOÃO BARBALHO, Constituição Federal Brasileira – Comentários, p. 423, 2ª ed., 1924, F.
Briguiet; CARLOS MAXIMILIANO, Comentários à Constituição Brasileira, p. 713, item n. 440, 1918, Jacinto Ribeiro dos Santos Editor, v.
g.).
Nisso consiste a ratio subjacente à norma, que, inscrita no inciso IV do art. 5º, da vigente Constituição da República, proclama ser livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato (grifei).
Torna-se evidente, pois, que a cláusula que proíbe o anonimato – ao viabilizar, a posteriori, a responsabilização penal e/ou civil do ofensor – traduz medida constitucional destinada a desestimular manifestações abusivas do pensamento, de que possa decorrer gravame ao patrimônio moral das pessoas injustamente desrespeitadas em sua esfera de dignidade, qualquer que seja o meio utilizado na veiculação das imputações contumeliosas.
Esse entendimento é perfilhado por ALEXANDRE DE MORAES (Constituição do Brasil Interpretada, p. 207, item n. 5.17, 2002, Atlas), UADI LAMMÊGO BULOS (Constituição Federal Anotada, p. 91, 4ª ed., 2002, Saraiva) e CELSO RIBEIRO BASTOS/IVES GANDRA MARTINS (Comentários à Constituição do Brasil, vol. 2/43-44, 1989, Saraiva), dentre outros eminentes autores, cujas lições enfatizam que a proibição do anonimato – por tornar necessário o conhecimento da autoria do pensamento exteriorizado ou da comunicação feita – visa a fazer efetiva, a posteriori, a responsabilidade penal e/ou civil daquele que abusivamente exerceu a liberdade de expressão.
Lapidar, assim, sob tal perspectiva, o magistério de JOSÉ AFONSO DA SILVA (Curso de Direito Constitucional Positivo, p. 244, item n. 15.2, 20ª ed., 2002, Malheiros), que, ao interpretar a razão de ser da cláusula constitucional consubstanciada no art. 5º, IV, in fine, da Lei Fundamental, assim se manifesta: A liberdade de manifestação do pensamento tem seu ônus, tal como o de o manifestante identificar-se, assumir claramente a autoria do produto do pensamento manifestado, para, em sendo o caso, responder por eventuais danos a terceiros.
Daí porque a Constituição veda o anonimato.
A manifestação do pensamento não raro atinge situações jurídicas de outras pessoas a que corre o direito, também fundamental individual, de resposta.
O art. 5º, V, o consigna nos termos seguintes: é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem.
Esse direito de resposta, como visto antes, é também uma garantia de eficácia do direito à privacidade.
Esse é um tipo de conflito que se verifica com bastante frequência no exercício da liberdade de informação e comunicação. (grifei) É inquestionável que a delação anônima, notadamente quando veicular a imputação de supostas práticas delituosas, pode fazer instaurar situações de tensão dialética entre valores essenciais – igualmente protegidos pelo ordenamento constitucional –, dando causa ao surgimento de verdadeiro estado de colisão de direitos, caracterizado pelo confronto de liberdades revestidas de idêntica estatura jurídica, a reclamar solução que, tal seja o contexto em que se delineie, torne possível conferir primazia a uma das prerrogativas básicas em relação de antagonismo com determinado interesse fundado em cláusula inscrita na própria Constituição.
Com efeito, há, de um lado, a norma constitucional, que, ao vedar o anonimato (CF, art. 5º, IV), objetiva fazer preservar, no processo de livre expressão do pensamento, a incolumidade dos direitos da personalidade (como a honra, a vida privada, a imagem e a intimidade), buscando inibir, desse modo, delações de origem anônima e de conteúdo abusivo.
E existem, de outro, certos postulados básicos, igualmente consagrados pelo texto da Constituição, vocacionados a conferir real efetividade à exigência de que os comportamentos individuais, registrados no âmbito da coletividade, ajustem-se à lei e mostrem-se compatíveis com padrões ético-jurídicos decorrentes do próprio sistema de valores que a nossa Lei Fundamental consagra.
Assentadas tais premissas, entendo que a superação dos antagonismos existentes entre princípios constitucionais há de resultar da utilização, pelo Supremo Tribunal Federal, de critérios que lhe permitam ponderar e avaliar, hic et nunc, em função de determinado contexto e sob uma perspectiva axiológica concreta, qual deva ser o direito a preponderar no caso, considerada a situação de conflito ocorrente, desde que, no entanto, a utilização do método da ponderação de bens e interesses não importe em esvaziamento do conteúdo essencial dos direitos fundamentais, tal como adverte o magistério da doutrina (DANIEL SARMENTO, A Ponderação de Interesses na Constituição Federal, p. 193/203, Conclusão, itens ns. 1 e 2, 2000, Lumen Juris; LUÍS ROBERTO BARROSO, Temas de Direito Constitucional, tomo I, p. 363/366, 2001, Renovar; JOSÉ CARLOS VIEIRA DE ANDRADE, Os Direitos Fundamentais na Constituição Portuguesa de 1976, p. 220/224, item n. 2, 1987, Almedina; FÁBIO HENRIQUE PODESTÁ, Direito à Intimidade.
Liberdade de Imprensa.
Danos por Publicação de Notícias, in Constituição Federal de 1988 – Dez Anos (1988-1998), p. 230/231, item n. 5, 1999, Editora Juarez de Oliveira; J.
J.
GOMES CANOTILHO, Direito Constitucional, p. 661, item n. 3, 5ª ed., 1991, Almedina; EDILSOM PEREIRA DE FARIAS, Colisão de Direitos, p. 94/101, item n. 8.3, 1996, Fabris Editor; WILSON ANTÔNIO STEINMETZ, Colisão de Direitos Fundamentais e Princípio da Proporcionalidade, p. 139/172, 2001, Livraria do Advogado Editora; SUZANA DE TOLEDO BARROS, O Princípio da Proporcionalidade e o Controle de Constitucionalidade das Leis Restritivas de Direitos Fundamentais, p. 216, Conclusão, 2ª ed., 2000, Brasília Jurídica).
Disso resulta, pois, a impossibilidade de o Estado, tendo por único fundamento causal a existência de tais peças apócrifas, dar início – somente com apoio nelas – à persecutio criminis ou, quando for o caso, à instauração de procedimento disciplinar.
Daí a advertência consubstanciada em julgamento emanado da E.
Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça, em que esse Alto Tribunal, ao pronunciar-se sobre o tema em exame, deixou consignado, com absoluta correção, que o procedimento investigatório não pode ser instaurado com base, unicamente, em escrito anônimo, que venha a constituir, ele próprio, a peça inaugural da investigação promovida pela Polícia Judiciária ou pelo Ministério Público: INQUÉRITO POLICIAL.
CARTA ANÔNIMA.
O Superior Tribunal de Justiça não pode ordenar a instauração de inquérito policial, a respeito de autoridades sujeitas à sua jurisdição penal, com base em carta anônima.
Agravo regimental não provido. (Inq 355-AgR/RJ, Rel.
Min.
ARI PARGENDLER – grifei) Vale referir, no ponto, o douto voto que o eminente Ministro ARI PARGENDLER, Relator, proferiu no mencionado julgamento: O artigo 5º, item IV, da Constituição Federal garante a livre manifestação do pensamento, mas veda o anonimato.
A carta anônima de fls. 3 e verso não pode, portanto, movimentar polícia e justiça sem afrontar a aludida norma constitucional. (grifei) É interessante observar que, na Itália, quer sob a égide do antigo Código de Processo Penal de 1930, editado em pleno regime fascista (art. 141), quer sob o novo estatuto processual penal promulgado em 1988 (arts. 240 e 333, nº 3), a legislação processual peninsular contém disposições restritivas no que concerne aos documenti anonimi, às denunce anonime ou aos scritti anonime, estabelecendo que os documentos e escritos anônimos não podem ser formalmente incorporados ao processo, não se qualificam como atos processuais e deles não se pode fazer qualquer uso processual, salvo quando constituírem o próprio corpo de delito ou quando provierem do acusado.
Revela-se expressivo, sob tal aspecto, o que hoje dispõe o vigente Código de Processo Penal italiano (1988), em seu art. 240, que tem o seguinte teor: Documenti anonimi. – 1.
I documenti che contengono dichiarazioni anonime non possono essere acquisiti né in alcun modo utilizzati salvo che costituiscano corpo del reato o provengano comunque dall'imputato. (grifei) Como já assinalado, o velho Código de Processo Penal fascista (1930) continha dispositivo que também vedava a formal recepção, em sede de persecutio criminis, de escritos anônimos, determinando, quando se tratasse di delazioni anonime (art. 8º), a aplicação da cláusula limitativa inscrita no art. 141 daquele antigo estatuto processual penal: 141.
Eliminazione degli scritti anonimi – Gli scritti anonimi non possono essere uniti agli atti del procedimento, né può farsene alcun uso processuale, salvo che costituiscano corpo del reato, ovvero provengano comunque dall'imputato. (grifei) Cumpre referir, neste ponto, o valioso magistério expendido por GIOVANNI LEONE (Il Codice di Procedura Penale Illustrato Articolo per Articolo, sob a coordenação de UGO CONTI, vol.
I/562-564, itens ns. 154-155, 1937, Società Editrice Libraria, Milano), cujo entendimento, no tema, após reconhecer o desvalor e a ineficácia probante dos escritos anônimos, desde que isoladamente considerados, admite, no entanto, quanto a eles, a possibilidade de a autoridade pública, a partir de tais documentos e mediante atos investigatórios destinados a conferir a verossimilhança de seu conteúdo, promover, então, em caso positivo, a formal instauração da pertinente persecutio criminis, mantendo-se, desse modo, completa desvinculação desse procedimento estatal em relação às peças apócrifas que forem encaminhadas aos agentes do Estado, salvo – como anteriormente enfatizado – se os escritos anônimos constituírem o próprio corpo de delito ou provierem do acusado.
Impende rememorar, bem por isso, na linha do que vem de ser exposto, a precisa lição de JOSÉ FREDERICO MARQUES (Elementos de Direito Processual Penal, vol.
I/147, item n. 71, 2ª ed., atualizada por Eduardo Reale Ferrari, 2000, Millennium): No direito pátrio, a lei penal considera crime a denunciação caluniosa ou a comunicação falsa de crime (Código Penal, arts. 339 e 340), o que implica a exclusão do anonimato na ‘notitia criminis', uma vez que é corolário dos preceitos legais citados a perfeita individualização de quem faz a comunicação de crime, a fim de que possa ser punido, no caso de atuar abusiva e ilicitamente.
Parece-nos, porém, que nada impede a prática de atos iniciais de investigação da autoridade policial, quando delação anônima lhe chega às mãos, uma vez que a comunicação apresente informes de certa gravidade e contenha dados capazes de possibilitar diligências específicas para a descoberta de alguma infração ou seu autor.
Se, no dizer de G.
Leone, não se deve incluir o escrito anônimo entre os atos processuais, não servindo ele de base à ação penal, e tampouco como fonte de conhecimento do juiz, nada impede que, em determinadas hipóteses, a autoridade policial, com prudência e discrição, dele se sirva para pesquisas prévias.
Cumpre-lhe, porém, assumir a responsabilidade da abertura das investigações, como se o escrito anônimo não existisse, tudo se passando como se tivesse havido ‘notitia criminis inqualificada'. (grifei) Essa orientação – perfilhada por JORGE ULISSES JACOBY FERNANDES (Tomada de Contas Especial, p. 51, item n. 4.1.1.1.2, 2ª ed., 1998, Brasília Jurídica) – é também admitida, em sede de persecução penal, por FERNANDO CAPEZ (Curso de Processo Penal, p. 77, item n. 10.13, 7ª ed., 2001, Saraiva): A delação anônima (‘notitia criminis inqualificada') não deve ser repelida de plano, sendo incorreto considerá-la sempre inválida; contudo, requer cautela redobrada, por parte da autoridade policial, a qual deverá, antes de tudo, investigar a verossimilhança das informações. (grifei) Com idêntica percepção da matéria em exame, orienta-se o magistério de JULIO FABBRINI MIRABETE (Código de Processo Penal Interpretado, p. 95, item n. 5.4, 7ª ed., 2000, Atlas): (...) Não obstante o art. 5º, IV, da CF, que proíbe o anonimato na manifestação do pensamento, e de opiniões diversas, nada impede a notícia anônima do crime (‘notitia criminis inqualificada'), mas, nessa hipótese, constitui dever funcional da autoridade pública destinatária, preliminarmente, proceder com a máxima cautela e discrição a investigações preliminares no sentido de apurar a verossimilhança das informações recebidas.
Somente com a certeza da existência de indícios da ocorrência do ilícito é que deve instaurar o procedimento regular. (grifei) Esse entendimento é também acolhido por NELSON HUNGRIA (Comentários ao Código Penal, vol.
IX/466, item n. 178, 1958, Forense), cuja análise do tema – realizada sob a égide da Constituição republicana de 1946, que expressamente não permitia o anonimato (art. 141, § 5º), à semelhança do que se registra, presentemente, com a vigente Lei Fundamental (art. 5º, IV, in fine) – enfatiza a imprescindibilidade da investigação, ainda que motivada por delação anônima, desde que fundada em fatos verossímeis: Segundo o § 1.º do art. 339, ‘A pena é aumentada de sexta parte, se o agente se serve de anonimato ou de nome suposto'.
Explica-se: o indivíduo que se resguarda sob o anonimato ou nome suposto é mais perverso do que aquêle que age sem dissimulação.
Êle sabe que a autoridade pública não pode deixar de investigar qualquer possível pista (salvo quando evidentemente inverossímil), ainda quando indicada por uma carta anônima ou assinada com pseudônimo; e, por isso mesmo, trata de esconder-se na sombra para dar o bote viperino.
Assim, quando descoberto, deve estar sujeito a um ‘plus' de pena. (grifei) Essa mesma posição é igualmente perfilhada, dentre outros, por GUILHERME DE SOUZA NUCCI (Código de Processo Penal Comentado, p. 68, item n. 29, 2002, RT), DAMÁSIO E.
DE JESUS (Código de Processo Penal Anotado, p. 9, 18ª ed., 2002, Saraiva), GIOVANNI LEONE, (Trattato di Diritto Processuale Penale, vol.
II/12- -13, item n. 1, 1961, Casa Editrice Dott.
Eugenio Jovene, Napoli), FERNANDO DA COSTA TOURINHO FILHO (Código de Processo Penal Comentado, vol. 1/34-35, 4ª ed., 1999, Saraiva) e ROMEU DE ALMEIDA SALLES JUNIOR (Inquérito Policial e Ação Penal, item n. 17, p. 19/20, 7ª ed., 1998, Saraiva), cumprindo rememorar, ainda, por valiosa, a lição de ROGÉRIO LAURIA TUCCI (Persecução Penal, Prisão e Liberdade, p. 34/35, item n. 6, 1980, Saraiva): Não deve haver qualquer dúvida, de resto, sobre que a notícia do crime possa ser transmitida anonimamente à autoridade pública (...). (...) constitui dever funcional da autoridade pública destinatária da notícia do crime, especialmente a policial, proceder, com máxima cautela e discrição, a uma investigação preambular no sentido de apurar a verossimilhança da informação, instaurando o inquérito somente em caso de verificação positiva.
E isto, como se a sua cognição fosse espontânea, ou seja, como quando se trate de ‘notitia criminis direta ou inqualificada' (...). (grifei) Esse entendimento também fundamentou julgamento que proferi, em sede monocrática, a propósito da questão pertinente aos escritos anônimos.
Ao assim julgar, proferi decisão que restou consubstanciada na seguinte ementa: DELAÇÃO ANÔNIMA.
COMUNICAÇÃO DE FATOS GRAVES QUE TERIAM SIDO PRATICADOS NO ÂMBITO DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA.
SITUAÇÕES QUE SE REVESTEM, EM TESE, DE ILICITUDE (PROCEDIMENTOS LICITATÓRIOS SUPOSTAMENTE DIRECIONADOS E ALEGADO PAGAMENTO DE DIÁRIAS EXORBITANTES).
A QUESTÃO DA VEDAÇÃO CONSTITUCIONAL DO ANONIMATO (CF, ART. 5º, IV, ‘IN FINE'), EM FACE DA NECESSIDADE ÉTICO-JURÍDICA DE INVESTIGAÇÃO DE CONDUTAS FUNCIONAIS DESVIANTES.
OBRIGAÇÃO ESTATAL, QUE, IMPOSTA PELO DEVER DE OBSERVÂNCIA DOS POSTULADOS DA LEGALIDADE, DA IMPESSOALIDADE E DA MORALIDADE ADMINISTRATIVA (CF, ART. 37, ‘CAPUT'), TORNA INDERROGÁVEL O ENCARGO DE APURAR COMPORTAMENTOS EVENTUALMENTE LESIVOS AO INTERESSE PÚBLICO.
RAZÕES DE INTERESSE SOCIAL EM POSSÍVEL CONFLITO COM A EXIGÊNCIA DE PROTEÇÃO À INCOLUMIDADE MORAL DAS PESSOAS (CF, ART. 5º, X).
O DIREITO PÚBLICO SUBJETIVO DO CIDADÃO AO FIEL DESEMPENHO, PELOS AGENTES ESTATAIS, DO DEVER DE PROBIDADE CONSTITUIRIA UMA LIMITAÇÃO EXTERNA AOS DIREITOS DA PERSONALIDADE? LIBERDADES EM ANTAGONISMO.
SITUAÇÃO DE TENSÃO DIALÉTICA ENTRE PRINCÍPIOS ESTRUTURANTES DA ORDEM CONSTITUCIONAL.
COLISÃO DE DIREITOS QUE SE RESOLVE, EM CADA CASO OCORRENTE, MEDIANTE PONDERAÇÃO DOS VALORES E INTERESSES EM CONFLITO.
CONSIDERAÇÕES DOUTRINÁRIAS.
LIMINAR INDEFERIDA. (MS 24.369-MC/DF, Rel.
Min.
CELSO DE MELLO, in Informativo/STF nº 286/2002) Cabe referir, ainda, que o E.
Superior Tribunal de Justiça, ao apreciar a questão da delação anônima, analisada em face do art. 5º, IV, in fine, da Constituição da República, já se pronunciou no sentido de considerá-la juridicamente possível, desde que o Estado, ao agir em função de comunicações revestidas de caráter apócrifo, atue com cautela, em ordem a evitar a consumação de situações que possam ferir, injustamente, direitos de terceiros: CRIMINAL.
RHC. ‘NOTITIA CRIMINIS' ANÔNIMA.
INQUÉRITO POLICIAL.
VALIDADE. 1.
A ‘delatio criminis' anônima não constitui causa da ação penal que surgirá, em sendo o caso, da investigação policial decorrente.
Se colhidos elementos suficientes, haverá, então, ensejo para a denúncia.
É bem verdade que a Constituição Federal (art. 5º, IV) veda o anonimato na manifestação do pensamento, nada impedindo, entretanto, mas, pelo contrário, sendo dever da autoridade policial proceder à investigação, cercando-se, naturalmente, de cautela. 2.
Recurso ordinário improvido. (RHC 7.329/GO, Rel.
Min.
FERNANDO GONÇALVES – grifei) CONSTITUCIONAL, PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO.
MANDADO DE SEGURANÇA. (...).
PROCESSO ADMINISTRATIVO DESENCADEADO ATRAVÉS DE ‘DENÚNCIA ANÔNIMA'.
VALIDADE.
INTELIGÊNCIA DA CLÁUSULA FINAL DO INCISO IV DO ART. 5º DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL (VEDAÇÃO DO ANONIMATO). (...).
RECURSO CONHECIDO E IMPROVIDO. (RMS 4.435/MT, Rel.
Min.
ADHEMAR MACIEL – grifei) Em conclusão: (a) os escritos anônimos não podem justificar, só por si, desde que isoladamente considerados, a imediata instauração da persecutio criminis ou de procedimento disciplinar, eis que peças apócrifas não podem ser incorporadas, formalmente, ao processo, salvo quando tais documentos forem produzidos pelo acusado, ou, ainda, quando constituírem, eles próprios, o corpo de delito (como sucede com bilhetes de resgate no delito de extorsão mediante sequestro, ou como ocorre com cartas que evidenciem a prática de crimes contra a honra, ou que corporifiquem o delito de ameaça ou que materializem o crimen falsi, p.
ex.); e (b) nada impede, contudo, que o Poder Público, provocado por delação anônima, adote medidas informais destinadas a apurar, previamente, em averiguação sumária, com prudência e discrição, a possível ocorrência de eventual situação de ilicitude, desde que o faça com o objetivo de conferir a verossimilhança dos fatos nela denunciados, em ordem a promover, então, em caso positivo, a formal instauração da persecutio criminis ou de procedimento administrativo-disciplinar, mantendo-se, assim, completa desvinculação desse procedimento estatal em relação às peças apócrifas.
Estabelecidas tais premissas, e tendo em consideração o contexto destes autos, reconheço que o exame da presente causa evidencia que o acórdão impugnado em sede recursal extraordinária ajusta-se à orientação jurisprudencial que esta Suprema Corte firmou quanto à análise da matéria em referência, valendo destacar, em face de sua pertinência, julgado proferido pela colenda Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal que, ao decidir o AI 725.700-AgR/RJ, Rel.
Min.
MARCO AURÉLIO, fixou entendimento que desautoriza a pretensão de direito material deduzida pela parte ora recorrente: RECURSO EXTRAORDINÁRIO – AUSÊNCIA DE ENQUADRAMENTO NO PERMISSIVO CONSTITUCIONAL.
Estando o acórdão proferido pelo Tribunal de origem em consonância com a Constituição Federal, descabe viabilizar o processamento do extraordinário.
Isso ocorre quando determinado o arquivamento de investigação criminal baseada em denúncia anônima. (grifei) Sendo assim, e em face das razões expostas, nego provimento ao recurso extraordinário, por achar-se a postulação recursal em confronto com o entendimento firmado por esta Suprema Corte no exame da matéria ora em julgamento (CPC, art. 932, IV, b).
Majoro, ainda, em 10% (dez por cento), nos termos do art. 85, § 11, do CPC, a verba honorária anteriormente arbitrada nestes autos, observados os limites estabelecidos nos §§ 2º e 3º desse mesmo art. 85 do referido estatuto processual civil e considerada a orientação que culminou por prevalecer no Plenário desta Suprema Corte no julgamento da AO 2.063-AgR/CE, Red.
p/ o acórdão Min.
LUIZ FUX.
Publique-se.
Brasília, 18 de junho de 2019.
Ministro CELSO DE MELLO Relator
Partes
Recte.(s) : Estado de Sergipe
proc.(a/S)(Es) : Procurador-Geral do Estado de Sergipe
recdo.(a/S) : Amase - Associacao dos Magistrados de Sergipe
adv.(a/S) : Marcelo Augusto Barreto de Carvalho
Observação
PROCESSO ELETRÔNICO
DJe-137 DIVULG 24/06/2019 PUBLIC 25/06/2019
Avv. Antonino Sugamele

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